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Broto de Samambaia: tão tóxico quanto natural
Existe uma crença
generalizada de que alimentos naturais são inócuos à
saúde, em contraposição aos industrializados, estes
"cheios de química". No entanto, os
alimentos naturais possuem fatores anti-fisológicos, que
prejudicam a absorção ou o aproveitamento dos
nutrientes da dieta e também existe a possibilidade
deles conterem substâncias realmente tóxicas, com
conseqüências potencialmente graves para seus
consumidores. Claro deve ficar que não é
objetivo deste trabalho condenar os alimentos naturais,
mas apenas levantar a necessidade de uma visão mais
crítica sobre estes, considerando-os caso a caso e não
"inocentando" todos a priori.
Será descrito o
exemplo do "broto de samambaia", alimento
altamente consumido em Minas Gerais e em regiões do
Espírito Santo, pela população local. Uma curiosidade
a ser registrada é que, no Brasil, encontra-se o único
povo ocidental, de origem não oriental, que consome o
vegetal. Isto porque, no oriente, seu consumo é
altamente disseminado, chegando ao ponto de o Japão,
onde é chamado "warabi", importá-lo para
suprir sua demanda. No Brasil, além das regiões já
citadas, tem-se notícia do consumo na cidade de São
Paulo e no norte do Paraná, sempre por população de
origem oriental, japonesa principalmente. Em Minas,
registra-se o consumo de broto de samambaia na região
central do estado e nos vales do Jequitinhonha, do Mucuri
e do rio Doce; no noroeste do estado, região de Unaí,
parece que apenas descendentes de japoneses o fazem, e no
sul e no Triângulo Mineiro o hábito está ausente. No
Espírito Santo foi constatado o consumo nas regiões
altas da divisa com Minas Gerais. Cabe aqui ressaltar que
o termo "broto" é impróprio, já que a parte
que se ingere são as folhas jovens, imaturas, da
samambaia Pteridium aquilinum (L.)Kuhn, quando
ainda se encontram com a ponta curvada, como ocorre com
as pteridófitas em geral, tais como samambaias e
avencas.
Onde está o perigo?
A toxicidade desta
planta é conhecida desde o século XIX, afetando a
saúde de animais, tanto ruminantes como monogástricos.
Isto ocorre porque a planta é uma invasora, colonizando
extensas áreas nas quais a vegetação natural tenha
sido extirpada a fim de estabelecerem áreas de
agricultura, reflorestamento ou pastagem. Neste último
caso, contrariando inclusive outra crença, a de que os
animais sabem o que lhes convém comer, a ingestão das
folhas, sejam elas jovens ou maduras, causa graves
distúrbios, tais como a deficiência de tiamina (pois a
planta contém tiaminase), alterações da crase
sanguínea, hematúria e tumores do trato digestivo
superior. Com a divulgação destes trabalhos iniciou-se
uma série de outros, destinados a verificar, em animais
de laboratório, o grau de risco a que estavam submetidos
os consumidores da planta, utilizando modelos animais.
Foram então feitos inúmeros testes, envolvendo ratos,
camundongos, hamsters, coelhos e cobaios, dentre outros,
sempre com resultados positivos.
A patologia mais
encontrada eram os tumores, tanto benignos quanto
malignos, localizados na maioria das vezes, no intestino
delgado, mais precisamente no íleo, além da bexiga.
Considerável parte desses trabalhos foi feita no Japão,
devido ao interesse dos pesquisadores deste país no
assunto, função, por sua vez do alto consumo do vegetal
pela população. Testaram-se então várias
possibilidades, tais como as diversas partes da planta
(talos, folhas, rizoma), diferentes tipos de
processamento (fervuras múltiplas, com ou sem
alcalinização da água de cocção), a própria água
de cocção (usada por alguns como remédio contra o
reumatismo) e diferentes esquemas dietéticos (altas
doses/períodos curtos, baixas doses/períodos longos).
Os resultados obtidos eram sempre semelhantes e indicavam
uma alta carcinogenicidade do vegetal.
Os estudos eram
realizados com modelos animais, dada a óbvia
impossibilidade de se trabalhar com seres humanos em
carcinogênese experimental. Ficava, portanto, uma
pergunta por responder:
Até que ponto os resultados com animais seriam
extrapoláveis para o homem?
Os estudos epidemiológicos, então, procuraram
esclarecer se havia uma relação entre a exposição ao
broto de samambaia e a incidência de câncer em diversos
sítios do organismo humano. Considerou-se, então,
exposição direta (o consumo
propriamente dito do broto de samambaia) e a indireta
que envolve outras situações, tais como o consumo de
água contaminada, no lençol freático, por folhas da
samambaia em decomposição em áreas altamente
infestadas ou o leite de animais que tenham se alimentado
com a planta. No tocante à exposição direta, um único
estudo epidemiológico, feito no Japão, indicou
correlação entre consumo do broto de samambaia e
câncer de esôfago. Ao se avaliar a exposição
indireta, estudos conduzidos no País de Gales e Costa
Rica, tiveram o mesmo padrão de resultado,
constatando-se o comprometimento do estômago e esôfago
no processo de carcinogênese.
Outra questão que
surgiria necessariamente, como desdobramento desses
achados, dizia respeito ao princípio ativo responsável
pela indução dos tumores, tantos em seres humanos
quanto em animais de laboratório. Inúmeras pesquisas
foram realizadas, em diversas partes do mundo, tendo sido
isoladas algumas substâncias que podiam estar implicadas
no efeito. Dentre estas, a que parece contar com mais
evidências, é o ptaquilosídeo, quimicamente um
glicosídeo cuja porção aglicona é um
norsesquiterpeno. No entanto, as pesquisas nesta área
continuam e outras substâncias podem ainda estar
envolvidas.
Botanicamente, a
samambaia Pteridium aquilinum
possui duas sub-espécies, aquilinum
e caudatum e estas, por sua
vez, diversas variedades. Estudos taxonômicos utilizando
técnicas moleculares têm apontado para uma alteração
desta classificação, o que deve acontecer num futuro
próximo. No entanto, a variedade ocorrente no Brasil é arachnoideum
e nunca tinha sido estudada até então. A Escola
de Nutrição da Universidade Federal de Ouro Preto se
interessou pelo assunto, uma vez que o broto de samambaia
é prato tradicional na região de Ouro Preto, sendo
consumido tanto pela população rural quanto urbana.
Estudou-se a variedade ocorrente no Brasil (arachnoideum)
sob os vários aspectos já
comentados acima. Foi encontrado alta toxicidade para
animais de laboratório.
Do ponto de
vista epidemiológico - foram realizados estudo
de casos e controles, com pacientes de câncer de
esôfago e estômago, consumidores ou não do vegetal,
levando também em consideração hábitos como o de
consumir bebida alcoólica e o tabagismo e encontrou-se
elevação de cerca de 3,5 vezes do
risco para as patologias.
Testou-se, também, a
influência de outros fatores no processo de
carcinogênese, tais como: - Escolaridade do paciente
- Local de residência (se urbano ou rural)
- Tipo de ocupação (trabalho manual ou não)
Os resultados mostraram que havia uma correlação entre
os pacientes com câncer (consumidores ou não do
vegetal) e seu local de residência e tipo de ocupação,
mas não mostraram haver correlação com seu grau de
escolaridade
Em conclusão,
pode-se afirmar que o broto de samambaia, apesar
de ser alimento natural, representa grave risco
para seus consumidores, sendo infrutíferas as
tentativas de eliminar ou mesmo reduzir a sua
carcinogenicidade. Devemos bani-lo da
alimentação humana, através de ações que
considerem tanto o aspecto cultural de seu
consumo quanto o fato de ser utilizado como
alimento por populações carentes. |
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Rinaldo
Cardoso dos Santos
Depto. de Alimentos
Escola de Nutrição
Universidade Federal de Ouro Preto
Ouro Preto- MG
Bibliografia consultada
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