Por Que Nós Comemos ?
Se perguntarmos às pessoas por que elas
comem, receberemos muitas respostas:
"Para recuperar nossas energias"
ou "Para ingerir vitaminas" ou
"Comer é necessário para viver"
e assim por diante. Mas muito raramente receberemos a
mais simples e correta das respostas: " Nós
comemos porque sentimos fome".
Estudos preocupados com os aspectos
psicobiológicos da nutrição são, de fato, estudos
sobre a fome e seu oposto: a saciedade.
Esses estudos, ainda em desenvolvimento, e rapidamente
modificados por descobertas contínuas, como por exemplo
o recente artigo sobre Leptina. Este pode ser dividido em
três fases:
- Um problema mecânico;
- A cerca de um valor crítico;
- As propriedades incentivantes
da comida;
Como freqüentemente ocorre nos
caminhos da ciência, novas descobertas somente superam
as anteriores combatendo-as. Então, para melhor entender
como o processo nutricional trabalha, nós podemos
comparar o trato digestivo com um longo cano (10 metros
aproximadamente), iniciando na boca e terminando no
ânus.
Podemos dizer (com um grande grau
de certeza) que, na primeira parte do cano (que vai da
boca ao estômago), a comida é modificada e simplificada
por um meio mecânico e químico, tornando-se a comida
pronta para ser absorvida na segunda parte (o intestino
delgado). O restante do alimento é novamente modificado
no intestino grosso e, então, expelido para fora do
organismo.
Um
Problema Mecânico
Os primeiros estudos começaram no início do século XX,
tendo sua atenção dirigida para a primeira parte do
tubo digestivo: em 1912, Cannon e Washburn construíram
um aparelho (figura 1) para estudar as contrações
gástricas. Este trabalho experimental, juntamente com um
caso clínico de um paciente com uma oclusão de
esôfago, conduziu à descoberta de que o estômago tinha
dois tipos de movimentos rítmicos: pequenas contrações
rítmicas (chamadas de contrações peristálticas) que
servem para misturar a comida dentro do estômago e
contrações mais extensas e menos frequentes que ocorrem
quando o estômago está vazio por um certo tempo. Este
último tipo de contração pode ser interpretado como "Fome"
(figura 2).
 Figura 01
- PINEL John P.J. -Biopsicologia. EdiSES- italian
edition of Biopsychology Allyn and
Bacon 1990
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 Figura 02
- PINEL John P.J. -Biopsicologia. EdiSES- italian
edition of Biopsychology Allyn and
Bacon 1990
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Isto foi uma
descoberta interessante mas não a solução do problema,
porque os pacientes que sofreram gastrectomia (o
estômago foi retirado cirurgicamente) e tiveram seus
esôfagos ligados diretamente ao intestino delgado,
continuaram a ter sentimentos de fome ou saciedade,
mantendo o mesmo peso.
Mais tarde, Janowitz e Grossman,
concentraram suas pesquisas na "boca",
com um estudo chamado " Falsa
Alimentação". Nesse experimento (figura
3), todo alimento consumido por um cão era desviado para
o exterior. O alimento não atingia o estômago e o cão
seguiu comendo por horas.
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Figura 03
- PINEL John P.J. -Biopsicologia. EdiSES- italian
edition of Biopsychology Allyn and
Bacon 1990 |
Em outro
experimento, feito por Epstein e Teitelbaum, o rato
possuía uma fístula naso-faríngea. E, graças a um
dispositivo especial, o rato era alimentado diretamente
pelo estômago evitando que o alimento passasse através
da boca, sendo que o tempo inteiro eles pressionavam a
alavanca que liberava comida. O rato também não podia
mastigar a comida que o nutria de maneira balanceada.
Estes dois últimos experimentos mostraram que a boca
não era tão importante para manter o equilíbrio
alimentar.
Após observarem que os animais
cujas ligações nervosas entre aparelho digestivo e
cérebro eram desconectadas, continuavam se alimentando
de uma maneira quase regular, os cientistas começaram a
achar que as informações alcançavam o cérebro de uma
outra maneira: através do sangue.
A cerca de
um valor crítico
Devido os alimentos mais importantes, do ponto de vista
energético, serem as gorduras e óleos (lipídios) e os
carboidratos (glicose), essas foram as substâncias mais
estudadas, pressupondo que elas possuem um valor em torno
do qual o corpo encontra o equilíbrio homeostático.
Dessa forma, nas décadas de 50 a 60, surgiram a "
Teoria Lipostática" e a "Teoria
Glicostática"
Teoria Glicostática - Quando o nível
de glicose no sangue cai abaixo de um certo nível,
começa a fome. E quando a glicose sanguínea está acima
deste nível, tem-se o início da sensação de
saciedade.
Teoria Lipostática - Na maioria da
população, o total de gordura no corpo permanece
constante por longos períodos da vida. Assim, todos têm
seu próprio valor crítico de gordura corporal o que se
deve, em parte, à herança genética.
Estas duas Teorias não estão em
oposição e sim em cooperação. Enquanto a
glicostática somente explica a regulação a curto prazo
(como o início e fim de uma refeição), a Lipostática
só explica a regulação a longo prazo, como a
tendência para recuperar os Kilos perdidos após uma
dieta de emagrecimento.
No início dos anos 40, cientistas
descobriram que lesões bilaterais no Núcleo
Ventro-medial do Hipotálamo, induziu ratos à hiperfagia
e obesidade. Dez anos mais tarde, descobriram que
lesando-se o hipotálamo na região lateral, houve uma
completa suspensão da alimentação (figura 04).
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Figura 04
- PSYCHOLOGY
C567 TOPICS IN NEUROBIOLOGY-Drives and the
hypothalamus |
As
propriedade estimulantes da comida
Dentre tantos exemplos, imaginemos a seguinte situação:
Nós
estamos jantando com alguns amigos e comemos
demasiadamente e não temos mais apetite de jeito
nenhum. Mas, alguém traz um lindo bolo de
chocolate e "de repente" nós
descobrimos que ainda existe um espaço para um
ou dois pedaços de bolo. Podemos dizer que a
Teoria Glico-Lipostática caiu em face do "pedaço
de bolo". Isto é verdade não
somente para humanos, pois adicionando-se
sacarina à comida normal de ratos (sacarina
acrescentada somente para conferir o gosto doce e
não calorias), os ratos comeram mais e
aumentaram seu peso. Existe uma variedade de
exemplos...Todo mundo tem seu "prato
preferido". Mas o que poderá
acontecer se comermos esse mesmo prato duas vezes
por dia durante muitos dias?
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Normalmente as
pessoas comem no seu dia-a-dia a mesma quantidade de
comida. Imaginemos, então, duas situações diferentes:
1º
Situação: Você está numa linda festa, na
companhia de amigos... onde a comida é servida de
maneira elegante e impecavelmente limpa.
2º Situação: Você recebe a mesma
comida em pratos sujos provenientes de uma cozinha
gordurosa.
A pergunta é: " Você
comeria da mesma maneira?"
Este experimento tem sido feito,
servindo-se um delicioso bolo de chocolate de duas
maneiras: Para algumas pessoas, ele é servido com
aparência de bolo. Para outras, o bolo é servido com
aparência de fezes. Você pode imaginar os diferentes
resultados.
Todos estes exemplos servem para
demonstrar que existem muitos fatores (nem todos bem
conhecidos) que regulam a ingestão de comida. Um dos
mais importantes são as propriedades incentivantes da
comida (se ela agrada o nosso paladar), mas devemos
considerar também o contexto social.
Pesquisadores estudaram um
fenômeno chamado "Saciedade
senso-específica" revelando que a
atração por um alimento decresce depois que a pessoa
come um pouco do mesmo. Algumas comidas produzem mais
saciedade senso-específica que outras, como os alimentos
ricos em gorduras e proteínas. No entanto, arroz,
batatas, bolos, saladas e frutas podem ser consumidas
diariamente sem perder sua atratividade.
A saciedade senso-específica é um
importante fator que impulsiona animais a terem uma dieta
variada ingerindo, dessa forma, uma maior quantidade de
nutrientes. No entanto, animais que têm à sua
disposição uma grande variedade de alimentos comerão
mais (tais como as pessoas que moram em países
desenvolvidos, nos quais a obesidade é um problema de
saúde pública). Por outro lado, foi dado para ratos com
dieta balanceada e monótona, livre acesso a pão e
chocolate e verificou-se um decréscimo no consumo de
calorias, de aproximadamente 84% e, depois de 4 meses,
verificou-se perda de peso corporal em 49% dos ratos.
Psicólogos e especialistas em
alimentação humana tentaram indicar as principais
razões que direcionam a escolher uma comida a outra.
Eles encontraram as seguintes explicações:
- Hábitos familiares
- "Eu escolho o que a mamãe sempre
cozinhava para mim".
- Preferência pessoal
- " Eu me deixei levar pelo prazer ".
- Aspectos econômicos
- "Tem um preço baixo mas eu fico
saciado".
- Praticidade -
"Eu não tenho tempo para cozinhar, então
eu uso alimentos pré-cozidos ou algo de fácil
preparo".
- Compensação
emocional - "Eu me consolo com um
bom bolo".
- Pressão social -
"Eu sou obrigado a aceitar o que me é
oferecido".
- Disponibilidade
- "Não há nenhuma outra coisa para comprar
no supermercado onde vou".
- Religião ou valores
éticos - "Eu sigo as tradições
alimentares do meu grupo".
- Ideais ecológicos
- "Eu não quero prejudicar o meio e a vida
de outros animais".
- Símbolo de prestígio
- "Eu como comidas típicas de
classes privilegiadas ou indicadas por alguém
que eu admiro".
- Valores nutricionais
- "Eu como determinado alimento pois ele é
nutritivo".
Estas são respostas
dadas conscientemente e somente a última considera a
verdadeira função dos alimentos. Mas a comida, aqui,
teve muitos outros significados.
De acordo com as "Teorias do Incentivo",
nós não somos submetidos a comer por uma carência
energética, mas pela antecipação dos efeitos
agradáveis do alimento, chamados "Propriedades
incentivantes da comida". De acordo com essas
teorias, fatores internos e externos atuam juntos
na alimentação, modificando o grau de incentivo do
alimento.
Um Fenômeno Psicobiológico
Alimentar-se torna-se,
então, um fenômeno completamente psicobiológico, no
qual podemos distinguir 3 diferentes, mas integrados,
estágios:
1- Estágio
cefálico - Ver, tocar e provar a comida, até
começar a absorção pelo intestino.
2- Estágio de
absorção - as substâncias contidas no
alimento são absorvidas pelo intestino, passando para o
sangue até serem usadas pelas células.
3- Estágio de
Jejum - Compreende o período do fim da
absorção até a próxima refeição.
Em todos estes três
períodos, muitas substâncias (neurotransmissores,
hormônios) atuam informando ao cérebro e outros
mecanismos de controle o que está acontecendo. Durante
as fases 1 e 2, a insulina (hormônio
produzido nas células beta do pâncreas) é
liberada e transforma glicose em glicogênio
e gordura. Na fase 3, o glucagon
(hormônio produzido pelas células alfa do
pâncreas) transforma o glicogênio em glicose.
Existem, ainda, muitas outras substâncias que também
são responsáveis por uma ou mais funções, tais como:
Gastrina e pepsina (secretadas pela mucosa gástrica); e
Secretina e Colecistoquinina (secretadas pela mucosa
intestinal).
Quando a glicose
sanguínea diminui a um certo nível, glândulas
supra-renais aumentam a produção de cortisol,
estimulando o metabolismo das gorduras e proteínas, e
que também possui outras funções. Com a ação do
núcleo arquiado do hipotálamo no núcleo
paraventricular, o neuropeptídio Y é sintetizado,
estimulando a alimentação e o ganho de peso, com uma
ação antagonista à Leptina (um hormônio inibidor do
apetite produzido pelas células gordurosas, identificado
em 1995, na Universidade de Rockefeller).
Recentemente, o Dr
Masashi Yanagisawa e sua equipe no Howard Hughes Medical
Institute na Universidade do Texas identificaram um par
de hormônios no cérebro de ratos denominados Orexin
(derivado do grego "orexis" que
significa apetite). Esses pesquisadores descobriram que o
orexin era produzido quando o nível de açúcar no
sangue caía e que o mesmo agia como um gatilho que
disparava a fome nos ratos. Quando era injetado orexin no
cérebro de ratos eles ficavam famintos e comiam qualquer
coisa e em quantidade superior ao habitual. O Orexin é
um neuropeptídeo produzido por um pequeno grupo de
neurônios nas áreas lateral e perifornical do
Hipotálamo, regiões classicamente implicadas no
controle do comportamento alimentar dos mamíferos. O
orexin no Sistema Nervoso Central tem um importante papel
no controle da alimentação, sono-vigília, homeostase
neuro-endócrina e regulação autonômica. A síntese do
Orexin é elevada pelo jejum e por hipoglicemia induzida
pela insulina.
Todos esses exemplos
permitem-nos entender que todo tipo de comportamento (sendo
a alimentação somente um deles) são fenômenos
psicobiológicos complexos, nos quais é impossível
separar a parte biológica e a parte psicológica (fome,
saciedade, prazer, medo, tristeza, etc).
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