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Até meados do século 19, os cientistas tinham poucos dados sobre o funcionamento do estômago, e qual era seu papel verdadeiro no sistema digestivo. Conheciam muito bem e tinham descrito com detalhes sua anatomia, e sabiam da existência do suco gástrico e dos movimentos do estômago (peristalse). Através de suas principais patologias, como as úlceras e os tumores, sabiam que o estômago tinha um papel preponderante na alimentação, pois quando falhava ocorriam graves problemas, até mesmo a desnutrição e a morte. O conhecimento no entanto, era quase sempre de natureza teórica e especulativa. Os proponentes se dividiam em dois campos antagônicos: a escola da iatroquímica achava que a digestão era um processo quimico, semelhante à dissolução de substâncias, enquanto que a escola da iatromecânica postulava que a digestão era um processo mecânico, de trituração dos alimentos, que começava com os dentes e prosseguia com a ajuda das contrações estomacais e intestinais. No entanto, foi um humilde médico
militar servindo na fronteira dos EUA, o Dr William
Beaumont, quem pela primeira vez abriu as portas do
conhecimento científico sobre a fisiologia do estômago
e resolveu essa disputa. E isso aconteceu devido à uma
"cobaia" humana, gerada por um dos mais raros
eventos na história da medicina. É uma história
extraordinária, como veremos. Um Evento Raro
Foi apenas em 1o. de agosto de 1825 (três anos depois do acidente), que o Dr. Beaumont teve a feliz idéia de começar a fazer experimentos com o estômago de St. Martin, tornando-se a primeira pessoa a conseguir observar a digestão gástrica diretamente. Dessa forma, ele entrou para a história da medicina e se tornou o "pai da fisiologia gástrica". Beaumont começou por amarrar
pequenos pedaços de comida em um fio de seda, e introduzí-los
pela fístula no estômago de St. Martin. Ele testou vários
tipos de carnes, vegetais crus e cozidos, pão, etc.
Passadas uma, duas e três horas, Beaumont puxava o fio
de volta e anotava o grau de digestão dos alimentos.
Beaumont repetiu os experimentos com seu empregado em
jeju, e também mediu a temperatura interna do estômago
(que ele descobriu ser de 42 graus Celsius). Ele retirou
suco gástrico do estômago de St. Martin e incubou pedaços
de carne em um tubo de ensaio, mantido à mesma
temperatura. Os experimentos mostraram que, enquanto o
estômago digeria o mesmo pedaço totalmente em duas
horas, fora do corpo, demorava 10 horas. Os Experimentos Continuam
Em 1833, o Dr, Beaumont publicou um
livro contendo todas suas detalhadas observações, com o
título de "Experiments and Observations on the
Gastric Juice and the Physiology of Digestion.",
que obteve imediato sucesso, firmando a reputação
internacional do autor como o criador do método
experimental direto no estudo da fisiologia
gastrointestinal. Uma Contribuição Notável
O Dr. Beaumont comprovou claramente que nada disso era verdade: a digestão de todos os tipos de alimentos se iniciava ao mesmo tempo, sendo que o suco gástrico era o responsável pela dissolução dos alimentos sólidos, necessitando de uma temperatura elevada para tal. A digestão podia se processar fora do corpo, usando o suco gástrico "in vitro", e os vários alimentos tinham tempos de digestão distintos, sendo que os ricos em gordura eram os que mais demoravam. Beaumont também mostrou que fatores externos, como o exercício, as emoções e até o clima influenciam na digestão. As pesquisas científicas básicas sobre a fisiologia da digestão haviam sido realizadas em laboratórios europeus no final do século 18, utilizando animais. O fisiologista francês René-Antoine Réaumur (1683-1757) demostrou experimentalmente que os movimentos do estômago tinham pouca importância na digestão, ao introduzir os alimentos através de tubos no estômago, o que os protegia das contrações peristálticas, mas sem isolá-los da ação do suco gástrico. O italiano Lazzaro Spallanzani (1729-1799) determinou conclusivamente em 1780 que a digestão gástrica é um processo químico, com muitos e geniais experimentos realizados com o suco gástrico "in vitro". Seus trabalhos foram completados pelo inglês John Hunter, firmando-se a teoria da digestão quimica por volta de 1834. Infelizmente, a análise química disponível na época de Beaumont, Reaumur, Spallanzani e Hunter era ainda pouco desenvolvida, e estes cientistas nunca puderam saber com precisão quais eram seus constituintes, e porque eram capazes de digerir os alimentos. Isso só viria a acontecer no começo do século seguinte. EpílogoO que aconteceu com Alexis St. Martin? Depois dos últimos experimentos em 1832, ele retornou ao Canadá e nunca mais voltou a ver o bom Dr. Beaumont, seu salvador. Ele se estabeleceu como lavrador e trabalhador rural itinerante, e tornou-se um alcoolatra. Embora se queixasse de crescente problemas de digestão e desconforto com a fístula, ele faleceu com a avançada idade de 86 anos (para a época, e considerando-se sua condição médica), ou seja, 58 anos depois do acidente que abriu a fístula. Sua família, com medo de uma autópsia, enterrou-o em local secreto, que foi revelado apenas anos depois de sua morte, por uma neta. Atualmente, uma placa na parede da igreja perto de onde está enterrado comemora o valor da contribuição de St. Martin e Beaumont à causa da ciência médica. O Dr. William Beaumont continuou
por muitos anos com sua prática clinica, terminando seus
dias na cidade de St Louis, nos EUA. Faleceu em 1853, com
a idade de 68 anos. Para Saber Mais
Frontier Doctor: William Beaumont, America's First Great Medical Scientist. Reginald Horsman, Univ. Missouri Press, 1996. Lazzaro
Spallanzani. La Scienza: Digestione
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O Autor
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