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Alimentos,
Medicamentos e suas Interações
Freqüentemente
é preciso lançar mão do arsenal farmacológico
para tratar as mais diversas doenças, desde um resfriado ou uma
dor de cabeça, passando pelas infecções, até
as doenças crônicas, como o câncer, o diabetes ou a
obesidade. E durante qualquer tipo de tratamento, prestar atenção
às interações entre os medicamentos e os alimentos
que consumimos é importante para que tanto o tratamento quanto a
alimentação não sejam prejudicados.
A interação droga-nutrientes
é um assunto relativamente recente e as informações
a respeito ainda são um pouco escassas, mas vêm crescendo
nos últimos tempos. O tema é de interesse tanto dos médicos
como dos nutricionistas, bem como dos pacientes. Sobretudo nos tratamentos
longos, um acompanhamento nutricional pode ser desejável, pois é
fato que, assim como os efeitos (terapêuticos e adversos) das drogas
podem ser afetados pela dieta ou pelo estado nutricional, a administração
de drogas pode também, como consequência final, afetar o estado
nutricional da pessoa.
Contudo, esse artigo não visa ser
um inventário das interações droga-nutriente já
conhecidas, pois a assunto é complexo e longo; visa, isto sim, esclarecer
os tipos de interações que podem ocorrer e seus exemplos
mais comuns, seus fatores de risco e os mecanismos gerais envolvidos, de
modo a dar o leitor um panorama geral e torná-lo mais atento a sua
alimentação nos momentos em que precisa se medicar.
Tipos
e Fatores de Risco
As interações droga-nutriente
são muito comuns e podem ocorrem em vários níveis:
na ingestão do alimento, na absorção da droga ou do
nutriente, no transporte por proteínas plasmáticas, durante
os processos de metabolização e de excreção.
As consequências indesejáveis dessas interações
podem ser a deterioração do estado nutricional, a redução
ou exacerbação do efeito terapêutico ou o aumento da
toxicidade da droga. Entretanto, há alguns fatores de risco que
tornam essas interações mais previsíveis. O problema
é mais frequente no caso das doenças crônicas, nas
quais a desnutrição causada pelo uso de drogas é comum.
E essa desnutrição ocorre com mais frequencia em pacientes
que já tenham histórico recente de deficiência energética
ou de algum nutriente específico. Outro fator que potencializa a
interação entre drogas e nutrientes é o consumo simultâneo
de vários medicamentos. A composição orgânica
do indivíduo também influencia a resposta a uma droga, sendo
comum por exemplo, o acúmulo de drogas lipossolúveis no tecido
adiposo. De modo geral, pode-se dizer que as populações de
risco para esse tipo de interação são, em primeiro
lugar, os idosos e os pacientes de doenças crônicas,
seguidos das mulheres grávidas, dos lactantes e dos fetos em desenvolvimento.
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DROGAS
------ NUTRIENTES
O uso de drogas pode ter um efeito indesejável
sobre as necessidades e/ou o estado nutricional de uma pessoa. Esse efeito
pode ocorrer nas diversas etapas pelas quais as drogas e os nutrientes
passam no organismo, desde a ingestão até a excreção.
Abaixo serão relacionados alguns exemplos dessas interações
em seus diversos níveis.
Ingestão
Uma carência nutricional pode resultar
dos tratamentos de emagrecimento que utilizam agentes anoréticos,
como as anfetaminas, que diminuem o apetite. A desnutrição
nesse caso é simplesmente o resultado de uma ingesta reduzida, que
não atende às necessidades nutricionais do organismo.
Em outras situações, o aumento
da ingestão alimentar, e consequentemente o ganho de peso, são
efeitos colaterais, que acontecem frequentemente no tratamentos com drogas
psiquiátricas, como o lítio e o diazepam. Outras drogas apresentam
efeito colateral inverso, provocando perda do apetite, o que pode levar
a uma carência nutricional. Atenção especial deve ser
dada às crianças que usam anfetaminas (indicada para hiperativadade),
pois há evidências de retardo do crescimento quando seu uso
for prolongado.
Há drogas ainda que provocam modificações
no paladar (o que é chamado de disgeusia) ou uma redução
da percepçãp do paladar (hipogeusia), ou causar uma sensação
desagradável na percepção do paladar. Drogas usadas
no tratamento de quimioterapia no câncer frequentemente alteram o
paladar dos pacientes e provocam náusea e vômito, o que acaba
reduzindo a sua ingestão de alimentos. Nesse caso, assim como em
vários outros, o acompanhamento nutricional do paciente é
tão importante quanto o acompanhamento farmacoterápico.
Absorção
Dado que a maioria das drogas e dos nutrientes
é absorvida no intestino delgado, as interações droga-
nutrientes são muito comuns nessa área, resultando em complicadas
inter-relações que dependem de uma série de fatores
como a dosagem da droga, do tipo e quantidade do alimento, do tempo decorrido
e da presença da enfermidade ou desnutrição. A má-absorção
é um dos efeitos principais decorrente do uso de certas drogas e
pode ser devido a um efeito sobre o lume intestinal ou a uma diminuição
da capacidade de absorção da mucosa gastrointestinal. Muitas
drogas causam má-absorção por mais de um mecanismo.
Algumas drogas reduzem o tempo de trânsito
gastrointestinal e podem causar esteatorréia (diarréia causada
por excesso de gordura nas fezes) e consequentemente levar à perda
de cálcio e potássio. Outras afetam a absorção
de gorduras, vitaminas lipossolúveis, colesterol. O uso de óleos
minerais (como os laxantes) pode diminuir os níveis séricos
de beta-caroteno. A cimetidina, usada no tratamento de gastrites porque
inibe a secreção de ácido gástrico, diminui
a absorção de vitamina B.
Mas as drogas que mais exercem efeitos
sobre a absorção de nutrientes são aquelas que provocam
lesões na mucosa intestinal. O resultado é uma má-absorção
geral ou específica, que pode ocorrer em vários graus de
intensidade. Os laxantes frequentemente têm este efeito, causando
esteatorréia branda, mas a neomicina (um antibiótico) pode
causar lesões histológicas na mucosa em apenas seis horas,
levando a uma má-absorção reversível de gordura,
proteína, sódio, potássio e cálcio.
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Metabolismo
Certos medicamentos inibem a síntese
de enzimas, porque competem com vitaminas para suas estruturas, essas drogas
são chamadas de antivitaminas. Os agentes quimioterápicos
utilizam esse princípio para impedir a replicação
e induzir a morte da célula tumoral, pois competem com o ácido
fólico, sem o qual não há síntese de DNA, provocando
assim uma deficiência desse nutriente.
Algumas drogas também podem formar
um complexo com o nutriente, tornado-o não-disponível para
utilização pelo organismo. A isoniazida por exemplo, utilizada
no tratamento prolongado da tuberculose, forma um complexo com a vitamina
B6 (piridoxina), interferindo em seu metabolismo em vários níveis,
podendo levar a uma deficiência desta vitamina.
Mas o exemplo mais amplamente conhecido
de interação droga-nutriente envolve as drogas psiquiátricas
do tipo inibidores da monoaminoxidase (IMAO) e as aminas vasoativas presentes
nos alimentos. Em situação normal, as aminas vasoativas dos
alimentos não constituem risco porque são metabolizadas rapidamente
pelas enzimas monoaminoxidases. Entretanto, a ação destas
enzimas é inibida por certas drogas anti-depressivas, antimicrobiais,
antihipertensivas e antineoplásicas. A presença de aminas
vasoativas não-oxidadas causa constrição dos vasos
sanguíneos e elevação da pressão arterial,
podendo levar, nos casos mais graves, a uma hemorragia intracranial, arrtmias
cardíacas e insuficiência cardíaca.
Excreção
A maioria das drogas é transportada
na corrente sanguínea por proteínas plasmáticas e
podem assim deslocar uma vitamina de um local de ligação
numa proteína plasmática, que então será filtrada
através dos rins e excretada pela urina. A aspirina, por exemplo,
pode alterar o transporte de folato, levando a uma diminuição
dos níveis séricos deste nutriente. As drogas também
podem alterar a excreção de um nutriente por interferir na
sua reabsorção pelos rins. Os diuréticos de via oral
podem produzir uma hipercalciúria através deste mecanismo.
NUTRIENTES
--------- DROGAS
Absorção
A composição da dieta e o
tipo de alimentação podem alterar a absorção
dos medicamentos, aumentando-a, diminuindo-a ou apenas retardando-a. No
caso de uma absorção diminuída ou retardada, o resultado
é que a droga pode não atingir os níveis eficazes
na correntes sanguínea; no caso de uma absorção aumentada,
esses níveis podem ser mais elevados do que o desejável,
potencializando efeitos colaterais. Dependendo do tipo de alimento ingerido
a velocidade de esvaziamento gástrico pode variar, afetando a absorção
de uma droga. As drogas básicas, por exemplo, são melhor
absorvidas quando o esvaziamento gástrico é retardado. A
absorção da penicilina, por exemplo, é reduzida quando
administrada junto com uma refeição, porque a presença
de alimento no estômago reduz o tempo de esvaziamento gástrico
e permite a exposição, durante um período mais longo,
ao ácido gástrico, o que degrada a penicilina.
Outras vezes, os nutrientes podem formar
complexos com a droga, impedindo sua absorção. Cálcio,
magnésio, ferro e zinco, por exemplo, formam complexos com a tetraciclina
(um antibiótico). Uma dieta hiperproteica interfere com a absorção
da levodopa (um anti-psicótico) porque os aminoácidos competem
pelos sítios absortivos que estão envolvidos na absorção
da levodopa.
Transporte
De forma geral, as drogas são transportadas
na corrente sanguínea através de proteínas plasmáticas,
entre as quais se destaca a albumina. Os níveis séricos de
albumina podem estar diminuídos por desnutrição ou
por enfermidade do fígado, o que altera toda a farmacocinética
da droga, ou seja, sua distribuição, metabolismo e eliminação.
Assim sendo o transporte reduzido pode levar a um aumento da concentração
da droga na sua forma livre, levando a efeitos indesejáveis ou a
ausência de qualquer efeito.
A ligação da droga a uma
proteína plasmática também pode ser alterada por uma
dieta hiperlipídica, pois os ácidos graxos livres na correntes
sanguínea se associam à albumina, levando a um deslocamento
da droga.
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Metabolização
O metabolismo das drogas pode ser alterado
pela composição da dieta, nos estados de deficiência
ou pela manipulação nutricional. O fator dietético
mais importante é o teor de proteínas. Uma dieta rica em
proteínas e pobre em carbohidratos aumenta a taxa de metabolização
de um grande número de drogas, enquanto que uma dieta hipoproteica
e hiperglicídica diminui esta metabolização.
Um grande número de drogas e nutrientes
é metabolizado no fígado através de sistemas enzimáticos
específicos. Dentre os componentes nutricionais que participam desses
sistemas estão as proteínas, lipídios, ácido
nicotínico, ácido ascórbico, vitaminas A e E, cobre,
cálcio, ferro, zinco entre outros, portanto, deficiências
destes nutrientes podem levar a uma metabolização mais lenta.
A manipulação nutricional
vem sendo utilizada em algumas condições patológicas
com bons resultados. Crianças asmáticas, por exemplo,
tratadas com o teofilina (broncodilatador) têm menos episódios
de respiração dificultosa nas dietas com baixa quantidade
de proteínas porque assim a teofilina é metabolizada mais
lentamente, permanecendo por mais tempo na circulação.
Excreção
Os efeitos farmacológicos de uma
droga dependem tanto de sua absorção quanto de sua excreção
eficiente. Tanto a excreção renal quanto a excreção
biliar podem ser afetadas pelo conteúdo da dieta ou ainda por algumas
condições nutricionais. A deficiência de sódio,
por exemplo, leva a uma reabsorção aumentada deste sal e
simultâneamente de carbonato de lítio (um anti-depressivo),
elevando o potencial tóxico do lítio, o que pode ser revertido
pela suplementação de sódio ou maior ingestão
de líquidos. Os efeitos dos nutrientes na excreção
renal de drogas é mais proeminente em drogas de espectro terapêutico
limitado.
Cuidados
na nutrição enteral
Muitas vezes os pacientes não são
capazes de se alimentar adequadamente e então a alimentação
enteral contínua se faz necessária. No entanto, todo o cuidado
é pouco quando simultâneamente está se administrando
alguma droga a estes pacientes. O uso do mesmo tubo para administração
da droga e da alimentação é pouco recomendável
em função das interações que aí podem
ocorrer. Algumas drogas são conhecidamente incompatíveis
com as formulações enterais, contudo as informações
nessa área são relativamente escassas. Algumas evidências
sugerem, por exemplo, que o caseinato de cálcio, usado como fonte
proteica em muitas fórmulas, possa se ligar a algumas drogas. Recomenda-se
que a administração terapêutica e enteral seja feita
de forma separada e o tubo utilizado lavado com água entre uma e
outra.
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