A História das Vitaminas : Alimentos que Salvam

O fato de que certos alimentos são necessários para manter a saúde ou para evitar algumas doenças é conhecido há muito tempo. Antes do século 20, as causas dessas doenças, como o pelagra, o beriberi, o escorbuto, a cegueira noturna, o raquitismo e a anemia perniciosa, não eram conhecidas. Os médicos acreditavam que eram de natureza infecciosa, pois afetavam muitas pessoas de uma mesma comunidade, como por exemplo os habitantes pobres da Londres vitoriana, as crianças de um orfanato, ou os marinheiros de navios por longo tempo no mar. Os tratamentos, portanto, eram totalmente inadequados e não curavam ninguém.
 
 


No tempo das caravelas, muitos marinheiros morriam de
várias hipovitaminoses

A partir do século 18, entretanto, demonstrou-se que a suplementação alimentar com frutas cítricas (laranjas e limões, por exemplo), evitava o escorbuto, e no século 19 foi determinado que a ingestão de arroz integral (em substituição ao arroz polido), prevenia a ocorrência de beriberi. Descobriu-se também que o fígado cru de boi prevenia e tratava a anemia perniciosa, e que o óleo de fígado de bacalhau era excelente para o raquitismo.

Foi uma conseqüência natural, portanto, que os cientistas do século 20, utilizando a metodologia recém-desenvolvida da bioquímica e da nutrição experimental, determinassem que esse poder curativo dos alimentos poderia ser devido a substâncias químicas que estavam presentes em alguns deles, mas faltavam em outros. Em 1906, o bioquímico inglês Frederick Gowland Hopkins demonstrou a existência desses fatores acessórios nos alimentos, e em 1911, o químico polonês Casimir Funk descobriu  na casca do arroz um "fator anti-beriberi" (que hoje sabemos ser a vitamina B6 ou niacinamida), que era capaz de corrigir a doença experimentalmente em animais e seres humanos. Como a substância era uma amina, Funk a denominou de "vital amin" (ou amina vital), que acabou sendo abreviada para "vitamina", e que é o nome que acabou vingando para essa classe de substâncias (apesar de que se descobriu depois que a maioria delas não são aminas).


Sir Gowland Hopkins, médico inglês e nobelista, 
um dos descobridores das vitaminas

Em 1912, depois de várias pesquisas semelhantes, ambos pesquisadores propuseram a "hipótese da deficiência de vitaminas", ou seja, que várias doenças poderiam ser causadas pela falta de uma quantidade mínima dessas substâncias. Por meio de experimentos nos quais os animais eram deprivados de certos tipos de alimentos, os cientistas conseguiram reproduzir em laboratório o raquitismo, o escorbuto e a pelagra, e assim foram capazes de isolar e identificar as vitaminas que conhecemos hoje. Esse foi um dos mais importantes progressos da medicina em todos os tempos. Ele levou à virtual erradicação de todas essas doenças, a partir da recomendação dos médicos que fossem suplementadas as vitaminas dos alimentos normalmente consumidos (por exemplo, leite), a adoção de dietas mais balanceadas, principalmente em alimentos ricos em certos tipos de vitaminas (os de gerações mais antigas ainda se lembram do famoso óleo de fígado de bacalhau, rico em vitamina D, e que eliminou do planeta a praga do raquitismo, que afetava muitissimas crianças, principalmente no hemisfério norte). Posteriormente surgiram os suplementos vitaminicos na forma de cápsulas e drágeas, hoje amplamente consumidos.


Uma das primeiras publicações sobre vitaminas. Livro do químico 
polonês Casimir Funk, descobridor do fator anti-beriberi 
e inventor da palavra "vitamina"


Doenças Mortais

As hipovitaminoses, como são conhecidas as doenças causadas pela falta de vitaminas, são pragas conhecidas há muito tempo pelo homem, mas passaram por um grande aumento a partir da segunda metade do milênio, com as grandes explorações. O escorbuto talvez tenha sido a primeira dessas doenças que começaram a matar intensamente, já durante as Cruzadas,  devido à deficiência de alimentação dos exércitos, ou em cercos prolongados às cidades. Mas foi provavelmente o início dos Grandes Descobrimentos que aumentou muito sua incidência, pois, com o desenvolvimento das naves de longo curso, como as caravelas, que podiam ficar meses no mar sem tocar terra, privava-se o acesso dos marinheiros a alimentos frescos, que contém mais vitaminas.

A alimentação de bordo dos navegantes de Colombo, Pinzón, Magalhães, Vasco da Gama, Cabral, etc., era constituída basicamente de bolachas secas, água, vinho e carne salgada. Assim, a vitamina C era totalmente ausente da alimentação. Os marinheiros caiam doentes depois de um ou dois meses no mar: as gengivas ficavam inflamadas e inchadas, apodrecendo com um tremendo mau-hálito, os dentes caíam todos, apareciam feridas e hemorragias nas mucosas e na pele, sobrevinha a fraqueza, a anemia, e, gradualmente, a morte. Em uma das frotas de Magalhães, dos 400 marinheiros, 360 sucumbiram ao escorbuto durante a viagem! Os sintomas eram causados pela falta da ação da vitamina C, que é essencial para a cicatrização de feridas e a formação do colágeno (uma proteína importante para a pele, tendões, ossos e tecido conjuntivo). Sua deficiência crônica leva à formação defeituosa de colágeno, o que dá os sintomas clássicos do escorbuto, como dores nas juntas, inchaços nas extremidades, retardo no crescimento em crianças, anemia, dispnéia (dificuldade na respiração), susceptibilidade aumentada às infecções, etc.


Fórmula da vitamina C - Ácido Ascórbico


Sangramento gengival causado pelo
escorbuto (falta de vitamina C)

A ignorância a respeito das causas e do tratamento do escorbuto persistiu ainda por mais de 200 anos, até que, em 1753, James Lind, um médico naval escocês, descobriu que o consumo de laranjas-lima, limões e toronjas evitava o escorbuto, O Almirantado britânico deu uma ordem para que todos os navios de Sua Majestade levassem um suprimento dessas frutas e que o suco de limão fosse servido obrigatoriamente junto com a ração diária de grogue a todos os marinheiros (por esse motivo, o apelido nacional dos ingleses nos EUA era "limey", porque consumiam laranjas-lima). Uma dose diária em torno de 100 mg de vitamina C (contida em poucos mililitros de suco de limão) é suficiente para curar o escorbuto em poucos dias. Frotas navais de outros países, que não adotaram logo a novidade, continuaram a sofrer por vários anos com a incidência de escorbuto.

Posteriormente, já em 1928, o genial cientista húngaro Albert Szent-Gyorgyi (1893-1986)  descobriu e isolou o fator anti-escorbuto nesses alimentos, que foi denominada de vitamina C, ou ácido ascórbico. Ele ganhou o prêmio Nobel de 1937 por essa descoberta. Essa vitamina ficou bastante popularizada a partir das pesquisas do químico americano Linus Pauling (1901-1994), outro nobelista, que recomendava hiperdoses para combater resfriados, gripes e outras viroses, prevenir o câncer e outras doenças degenerativas, etc. Embora hoje se saiba que esse tipo de tratamento têm poucos resultados (sendo, inclusive, perigoso), a vitamina C é um poderoso antioxidante e pode ter efeitos significativos contra os processos de envelhecimento celular. Continua sendo adicionada artificialmente a muitos alimentos, cremes para a pele, etc.
 

Albert Szent-Gyorgyi
descobriu e isolou o fator anti-escorbuto (ácido ascórbito)
Christian Eijkman, oficial médico holandês demonstrou pela primeira vez que o beriberi era uma deficiência nutricional Linus Pauling  recomendava hiperdoses de vitamina C para combater resfriados, gripes, prevenir o câncer e outras doenças degenerativas
Inflamação Nervosa

A primeira descrição clínica do beriberi foi feita pelo médico holandês Nicolaas Tulp em 1652 (conhecido por ser o professor que aparece na famosa pintura de Rembrandt, "Lição de Anatomia", de 1632). Ele tratou um jovem holandês que tinha adquirido uma doença que os nativos do Pacífico chamavam de beriberi (significando "fraqueza extrema" em singalês), e que é uma forma de polineurite (inflamação da bainha dos nervos) causada pela falta da vitamina B1, ou tiamina. Em 1900, Christian Eijkman, um oficial médico holandês vivendo em Java demonstrou pela primeira vez que o beriberi era uma deficiência nutricional, tratando galinhas com arroz polido, que causava os sintomas semelhantes à polineurite humana. O beriberi era muito prevalente entre os povos da Ásia (China, Japão, etc.), pois a dieta baseada quase que tão somente em arroz sem casca era típica dos pobres da região (e, curiosamente, também dos marinheiros japoneses: em 1867, a adição de vegetais, peixe e carne à dieta dos marinheiros eliminou totalmente o beriberi entre eles). Os sintomas do beriberi incluem perda de apetite, extrema fraqueza, problemas digestivos e diminuição da sensibilidade nas extremidades, atrofia progressiva dos nervos longos, dos músculos das pernas e dos braços, e edema (causado por insuficiência cardíaca). Alcoolatras também podem ser afetados pela deficiência desta vitamina, porque em geral obtém todas as calorias que necessitam a partir do álcool, e não ingerem alimentos saudáveis. Os gravissimos sintomas que afetam em fase terminal os alcoólatras se chama Síndrome de Wernicke-Korsakoff, e inclui a destruição de parte do sistema nervoso, levando a perdas de memória e outros efeitos neurológicos. O fator anti-beriberi foi isolado e sintetizado em 1911 por Casimir Funk.


Fórmula da tiamina - Vitamina B1


A esquerda, atrofia muscular severa das pernas. 
A direita: edema periférico causado pela insuficiência cardíaca.
Conseqüências do beriberi

A Doença dos Desnutridos

A pelagra era uma doença devastadora, que ocorria entre pobres desnutridos, como em alguns países da Europa e no sul dos EUA, onde a dieta básica dos negros e pobres era constituída de melaço de cana de açucar, e dietas ricas em produtos de milho, que não têm a vitamina B3, como posteriormente foi identificada. Crianças em orfanatos e prisioneiros também adquiriam freqüentemente pelagra, devido as deficiências dietéticas comuns naqueles ambientes. Era comumente encontrada em hospícios, também, por ser uma causa de loucura: um dos três D's da pelagra: dermatite, diarréia e demência, e ser associada ao alcoolismo crônico (mesmo caso do beriberi). A pelagra começa com uma fotosensitização anormal, parecida com um eritema solar, e produzindo manchas simétricas na pele, que fica escura, escamosa e áspera. Os sintomas mentais, que surgiam apenas nos casos avançados, eram de difícil diagnóstico: nervosismo, confusão, depressão, apatia e delírio. 


Relatórios científicos originais do Dr. Goldberger, médico
americano descobridor da causa da pelagra


Lesões na pele ocasionados pela hipovitaminose B3 - Pelagra



Em 1914, o médico americano Joseph Goldberger viajou para os estados do sul dos EUA observando empregados em hospitais, asilos e orfanatos, para ver como eles adquiriam a doença. Ele conseguiu demonstrar, em experimentos com prisioneiros e nele mesmo, que era uma doença de origem nutricional, e não uma infecção, como se acreditava antes, pois nào podia ser transmitida. Ovos e leite adicionados à dieta eram suficientes para prevenir a pelagra, embora tenham pouca vitamina B3. No entanto, têm o aminoacido triptofano, que é precursor da sua síntese no corpo. Em 1926 Goldberger descobriu o fator anti-pelagra em vários alimentos. Em 1937 a niacina, ou ácido nicotínico, foi identificada como sendo o fator anti-pelagra.


Fórmula da Niacina - Vitamina B3


Pernas Tortas

Entre os séculos 15 e 19, o raquitismo, em crianças, e a osteomalácia, em adultos, eram doenças muito comuns. O raquitismo, encontrado entre crianças que viviam em densos aglomerados urbanos, longes do sol durante os longos meses de inverno no hemisfério norte, e com fortes deficiências nutricionais, como leite, causava enfraquecimento e deformações ósseas, como pernas tortas, dentes estragados e perda do cálcio do osso (osteoporose). O "rosário raquitico" que são a aparência das extremidades das costelas junto ao osso esterno, como bolinhas sob a pele, é outra característica do raquitismo. As crianças afetadas por ela sofriam retardo de desenvolvimento, demorando para sentar, engatinhar e andar. Doenças pulmonares eram comuns, devido ao mau desenvolvimento da caixa torácica, e mulheres que tinham sido raquíticas tinham maiores problemas no parto, por terem a bacia pélvica mais estreita. A vitamina D é sintetizada pela pele quando exposta à luz ultravioleta do sol, a partir de moléculas esteróides presentes na pele, e é por isso que os países mais setentrionais têm maior risco de raquitismo. Foi somente em 1918 que o médico inglês Edward Mellanby, experimentando com cães, conseguiu demonstrar que o raquitismo era de origem nutricional e podia ser prevenido com óleo de fígado de bacalhau, e que ele continha a vitamina D, um fator essencial para o metabolismo ósseo e absorção de cálcio pelo organismo. A identificação e o isolamento do calciferol, uma das moléculas que fazem parte da vitamina D ocorreu em 1931, na Alemanha. A adição de vitamina D aos produtos alimentares infantis (leite, principalmente) foi o fator fundamental para praticamente extinguir a doença nos paises civilizados, poucos anos depois.


Fórmula da vitamina D


Crianças com raquitismo - destaca-se as "pernas tortas"



A Vitamina do Sangue

A descoberta e isolamento da vitamina B12, ou cianocobalamina, foi extremamente importante para combater uma doença severa, a anemia perniciosa, que era tão mortal quanto a diabetes. Já se sabia, através do trabalho do patologista americano George H. Whipple, que o fígado cru de boi tinha efeitos benéficos no tratamento da doença. Em 1926, isso foi experimentalmente comprovado pelos pesquisadores médicos George R. Minot e William P. Murphy, da Escola de Medicina da Universidade Harvard, levando ao fim da temível anemia. 

Em 1930, o médico americano W.B. Castle descobriu que havia um "fator intrínseco" (existente no próprio organismo), que estava ausente no estômago de pessoas que sofriam de anemia perniciosa. Combinando seus resultados com os de Whipple, Minot e Murphy, Castle propôs a existência de um "fator extrínseco" (externo ao organismo), existente no fígado cru de herbívoros. Em 1949, Karl Folkers, nos EUA, e Alexander Todd, na Inglaterra, isolaram e identificaram a vitamina B12 como sendo esse fator extrínseco anti-anemia perniciosa.  Hoje se sabe que é essencial para a formação das células sanguíneas na medula óssea; devido a isso sua falta causa anemia. A absorção da vitamina B12 no intestino depende do fator intrínseco (chamado de fator de Castle, em honra ao seu descobridor), existente no estômago, por isso as pessoas que fazem cirurgia de remoção de parte ou todo o estômago precisam tomar vitamina B12 injetável pelo resto da vida.


Fórmula da vitamina B12


Cegueira Seletiva

Outra doença pouco compreendida no passado era a cegueira noturna (nictalopia), que é um dos sintomas precoces da falta da vitamina A. Se não for tratada, pode levar à cegueira total. A cegueira noturna ocorre porque a vitamina A faz parte da cadeia de síntese da rodopsina, ou púrpura visual (chamada assim pela sua cor), uma das substâncias usadas no mecanismo de visão de alta sensibilidade pelos bastonetes, células visuais da retina. A pessoa afetada enxerga melhor de dia, em cores (visão que depende dos cones, outro tipo de célula da retina), mas fica cega à noite, por ter afetada a visão dos bastonetes. 

Além desse, outros efeitos da hipovitaminose A podem ocorrer, como formação defeituosa dos ossos e dentes e ressecamento da pele. O uso de óleo de fígado de bacalhau na dieta preventiva de crianças, que também é muito rico em vitamina A, foi importante para a prevenção da hipovitaminose. A  vitamina A não está presente diretamente em plantas, mas a presença abundante de precursores, como o beta-caroteno (pró-vitamina A), na cenoura e em outros vegetais, permite sua síntese no corpo. Apenas 6 mg por dia são suficientes para prevenir a cegueira noturna.

A existência da vitamina A foi reconhecida em 1913. Sua identidade química foi descoberta em 1913. O bioquimico americano George Wald (1906-1997) foi quem descobriu que a vitamina A é um componente importante dos pigmentos da retina, em 1933. Nos anos 50s, Wald e colaboradores elucidaram as reações quimicas envolvidas na visão, e demonstraram como a vitamina A funciona na síntese dos três pigmentos visuais da visão colorida, e que a cegueira de origem genética às cores (daltonismo) é causada pela ausência de um deles. Cegueira ao vermelho é chamada de protanopia; ao verde, de deuteranopia; e ao azul, de tritanopia. Wald recebeu o prêmio Nobel de 1967 por seus trabalhos.
 

Conclusões

Existem outras doenças menos específicas, que são causadas pela falta de outras vitaminas, tais como ácido fólico (anemia, diarréia, ulcerações bucais e gastrointestinais), ácido pantotênico (deficiências de crescimento, lesões na pele e embranquecimento do cabelo), biotina (perda de apetite, náusea, vömitos, palidez, depressão e dermatite). Essas doenças são bastante raras, mas podem aparecer na prática clínica sem que o médico seja capaz de reconhecê-las, pois as deficiências nutricionais associadas podem ser sutís.

O mais importante é que a descoberta de que várias doenças misteriosas, muitas delas mortais, que existiam antes do século 20 eram na realidade simples hipovitaminoses, podendo ser definitivamente curadas pela ingestão de alimentos adequados. Essa foi uma grande vitória da humanidade !

 

Prof.Dr.Renato M.E.Sabbatini
Coordenador Associado do NIB/UNICAMP
Professor Adjunto da FCM/UNICAMP