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Nesta
edição temos o prazer de disponibilizar, na íntegra,
um capítulo do livro Aleitamento Materno ainda a ser
lançado pela Editora Atheneu
a qual nos concedeu a oportunidade de levar aos leitores
da NutriWeb, parte de uma obra fruto do trabalho de
alguns dos pediatras mais reconhecidos e respeitados do
Brasil como o Dr. José Dias Rêgo,
autor do livro, e que também nos apoiou a publicarmos o
presente capítulo, e o Dr. José Martins Filho,
autor do capítulo (foto). O capítulo intitula-se:
Evolução do Aleitamento Materno no Brasil
Convidado pelo
ilustre amigo, pediatra e neonatologista, Prof. Dias
Rego, para escrever este capítulo sobre a evolução do
aleitamento materno no Brasil, senti-me lisonjeado, mas
temeroso, pois desde o primeiro momento identifiquei os
riscos de não corresponder às expectativas, e mais do
que isso,o temor de que , tentando reviver uma história
da qual participei ativamente com todos os meus dias de
professor e médico, pudesse me esquecer de datas,
pessoas, enfim, cometer lacunas imperdoáveis...
Fiquei imaginando qual seria a melhor forma...a de um
historiador preocupado tão somente com os fatos, fazendo
"história" cientificamente ou de um escriba,
contador de acontecimentos, como os sentiu e como os viu,
colocando aqui e acolá sua visão particular... Por
isso, os que me estiverem lendo neste capítulo, saibam
que optei pelo relato da história vivida e sentida...e
até de uma certa forma, cabe melhor em mim está maneira
de falar da evolução da luta pelo aleitamento materno,
porque foi dessa forma que a senti...desde os primeiros
momentos, na fase, que eu chamo de retomada...os
primórdios da luta em prol do aleitamento materno, na
década de 70...
A maioria dos professores de pediatria brasileiros, os
grandes nomes de nossa história científica, não
deixaram de se preocupar com a lactação natural.Tenho
receio de citar alguns, para não me esquecer de
outros....mas, Martinho da Rocha, Torres Barbosa,
Fernandes Figueira, Jacob Renato Woiski, Azarias de
Carvalho, Pedro de Alcântara, em suas falas,
conferencias e escritos, não deixaram de defender a
lactação...mas , o que se sente, é que fora essas
vozes isoladas , a defesa da lactação natural, na
primeira metade deste século, era algo muito individual
no Brasil, e principalmente depois da segunda guerra
mundial, com a chegada em larga escala da
industrialização e dos avanços na rede de frios e dos
laticínios, a divulgação do aleitamento artificial,
constituiu ocorrência rotineira em muitos documentos
relacionados a alimentação infantil... Conhecia-se
muito pouco nessa época, sobre imunologia, e o papel
protetor do colostro, com seus constituintes
imunológicos, era muito mais atribuída aos aspectos
psicológicos e emocionais do que verdadeiramente de fato
poderia estar acontecendo.
Por toda parte, a defesa da desnutrição infantil era
muito mais enfatizada como uma luta em busca de
nutrição adequada, entendo-se esta como a oferta
adequada de calorias, proteínas, lípides e
carbohidratos, não importando muito se a fonte era o
leite humano , ou bovino.. Por toda parte,
multiplicavam-se "as gotas de leite", locais
onde as crianças mais desvalidas recebiam leite, de
vaca, como complementação dietética.
Na década de 70 e já no final dos anos 60, alguns
trabalhos internacionais e nacionais começam de fato a
se preocupar um pouco mais com a qualidade de vida de
crianças precocemente desmamadas.No Brasil, quase que
simultaneamente, em vários estados, alguns pediatras
iniciam a discussão sobre o papel protetor do
aleitamento materno.
Eu pessoalmente, em 1973, estive na França, em Paris,
mais especificamente no Centro Internacional da
Infância, realizando o Curso, já então célebre,
dirigido pela Profa. Natalie Masse, Diretora do Centro
Internacional da Infância, situado no "Bois de
Boulogne" e onde outros pediatras do terceiro mundo
também estudaram, inclusive outros brasileiros , que
aprendiam a então nascente disciplina de Pediatria
Social...e foi lá em Paris, longe do Brasil, onde pela
primeira vez, de maneira sistemática e didática pude
aprender sobre a importância do aleitamento materno e
seu papel na proteção e implementação da saúde
infantil, particularmente no primeiro ano de vida... Em
verdade, apesar de já estar, antes disso me dedicando à
pediatria ,desde 1968, de ter me doutorado em 1972 ,
conhecia pouco sobre aleitamento materno e como muitos
pediatras de minha geração, não dava a verdadeira
importância ao aleitamento materno, nem sabia como
incentivar, ajudar, promover e resolver a maioria dos
problemas que as mulheres enfrentavam para
amamentar...Foi lá, na França, que aprendi sobre a
discussão que em todo o mundo se iniciava naquele
momento, do papel danoso, causado pela introdução
precoce de mamadeiras, do equívoco que era permitir a
distribuição de amostras de latas de leite nos
berçários e nos ambulatórios de pediatria, que naquela
época se fazia sem nenhum cuidado...
A minha volta ao
Brasil, final de 1973, inicio de 1974, encontrei nosso
País, ainda não sensibilizado para a luta em prol do
aleitamento materno... Os estudantes de medicina e os
residentes de pediatria ainda não havia despertado para
a realidade nutricional inadequada e antinatural.. Era
muito comum, nessa época, que pediatras recebessem e
solicitassem com avidez, amostras de latas de leite para
seus próprios filhos, como se isso fosse algo muito
importante... Médicos, enfermeiras, psicólogos,
assistentes sociais, nutricionistas, etc...enfim, toda a
equipe de saúde, ainda não tinham se dado conta da
necessidade de voltar a se preocupar com a lactação,
com a fisiologia da produção do leite, com o estudo da
anatomia mamária . Os pediatras ainda se preocupavam
intensamente no período, com fórmulas, composições
bioquímicas e concentrações calóricas, muito mais que
com o ato de amamentar... Os obstetras e os cirurgiões
plásticos ainda não se preocupavam com a mama como
fundamental para a alimentação infantil.
Por incrível que
possa parecer, aos que me lêem hoje, simplesmente, o
problema não existia. Estávamos deixando de ser
mamíferos e já estávamos quase nos transformando em
"mamadeiríferos". Algo precisava ser feito.
Não poderíamos continuar a ser "receitadores"
de fórmulas substitutas do leite humano, simplesmente
porque acreditávamos... e era essa a tônica dos
comentários de então... que o mundo moderno, com a
mulher cada vez mais intensamente voltada e dedicada para
o trabalho fora do lar, não podia, nem tinha como
amamentar... Aos primeiros sinais de dificuldades,
imediatamente era receitada uma mamadeira... porque a
preocupação era com a quantidade de calorias, com o
ganho ponderal ( havia um padrão aceito, que visto hoje
, era totalmente inexplicável.) e não com a qualidade
do alimento ofertado, sem muita preocupação com as
defesas imunológicas ,com os aspectos do vínculo mãe
filho, etc... Aliás, em alguns textos, mais sensíveis
aos aspectos emocionais, podíamos encontrar referências
à necessidade de se dar a mamadeira sempre com o bebê
ao colo, se possível da mãe....e da necessidade do
carinho e da calma, etc, mas nada, absolutamente nada a
respeito da diminuição da proteção imunológica...
Quando muito, alguns textos se preocupavam com a
possível alergia ao leite de vaca e a necessária
substituição pelo leite de soja ou de cabra. Claro,
porque poucos achavam ou acreditavam que era possível
fazer uma relactação ou , coisa do outro mundo,quem
acreditaria que seria possível ou necessário a
utilização do leite de outra mulher...Interessante, que
nesse período, uma prática comum no final do século
anterior e comum nas primeiras décadas do século XX, o
da ama de leite, também era pouco
recomendado ou usado...como se fosse algo não muito
"científico"ou moderno....
Por falar em ama de leite...vale a pena voltar ao passado
e examinar essa questão do aleitamento materno e das
suas relações com o desmame epidêmico que se
observaria mais tarde, particularmente na segunda metade
do século XX.. Era prática bastante disseminada nos
séculos XVIII e XIX e mesmo nas primeiras décadas do
século passado(XX), o uso das amas de leite...
geralmente da "mãe preta"...
Era comum que as
senhoras da elite da época usassem as amas de leite como
substitutas ao seu leite, que nem sempre era oferecido
aos filhos da classe mais abastada... Pode-se ver em
vários jornais brasileiros do século passado, em que se
ofereciam para alugar ou vender, negras, com filhos
pequenos que poderiam ser compradas ou alugadas como
escravas, para amamentar os bebês de seus
proprietários....
Com a abolição da escravidão, ainda se viam muitas
mulheres servindo de amas de leite e algumas delas até
conseguiam ganhar suas vidas (na pobreza, é claro) com
essa prática benéfica aos bebês... é no final do
século XIX e no começo do século XX, mais
particularmente com a Primeira Grande Guerra Mundial, que
chegam ao Brasil e à América Latina, os primeiros
leites industrializados...no princípio leites
"evaporados"ou condensados, com alto teor de
carbohidratos que eram inicialmente de procedência
alemã e que se começava a usar na Europa.... Como o
famoso leite "ideal"! Começam então a se ver
as primeiras propagandas estimuladoras do desmame, da
substituição do seio pelas fórmulas, no início
timidamente, mas já insinuando que a modernidade iria
abolir esse ato retrógrado e conservador de amamentar...
Claro que a propaganda maciça a favor do aleitamento
artificial começa para valer, principalmente no Brasil,
bem mais tarde, particularmente a partir do final da
segunda guerra mundial, com a chegada dos "leites em
pó", no princípio ainda não muito fáceis de
reconstituir, e sem modificações que os tornavam, como
dizia a propaganda "maternizados"....aos
poucos, foram chegando os altamente solúveis, os
modificados, os adaptados, sempre, sempre, tentando
chegar o mais perto possível do padrão
inquestionável....o leite humano...
Voltemos às minhas lembranças pessoais e de como entrei
nesta luta...Voltei de meu estágio na Europa, França e
Espanha. Lá, particularmente na França, já senti de
perto a importância que se dava ao aleitamento materno,
particularmente nas comunidades carentes...
Iniciamos, como outros pediatras, alguns trabalhos sobre
Aleitamento materno... Começamos a participar de
Simpósios e reuniões em que pouco se falava do assunto,
mas logo após ter realizado minha tese de livre
docência na Unicamp, que intitulei. "Contribuição
ao estudo do aleitamento na região de Campinas", no
ano de 1976, fui convidado para participar de uma viajem
com vários outros colegas da Sociedade Brasileira de
Pediatria, pelo querido e saudoso Prof. Nicola Albano,
então Presidente da SBP. Foi naquela viajem, em que eu
falei sobre aleitamento materno em algumas das mais
importantes cidades nordestina (Recife, Fortaleza, Natal,
João Pessoa, Campo Grande,etc..) que fui convidado pelo
Presidente, Prof. Nicola Albano, a criar e a ser o
primeiro Presidente do Comitê Nacional de
Estímulo ao Aleitamento Materno da
Sociedade Brasileira de Pediatria. Esse Comitê,
inicial, já contava com vários colegas em vários
estados brasileiros, interessados no assunto lactação
natural...Entre outros pediatras que participaram desse
primeiro comitê, encontrava-se o Dr. José Dias Rego,
que depois, foi o segundo presidente do mesmo, e que sem
dúvida se transformou num baluarte em defesa do
aleitamento materno no Brasil..O comitê, a princípio,
se encarregava de divulgar, mandar correspondências,
realizar reuniões, discutir temas...aos poucos, foram
aparecendo também os comitês estaduais, nas várias
regionais e o trabalho foi se ampliando e aumentando
progressivamente... Hoje, os comitês estaduais e o
Nacional de aleitamento materno, agora chamado
Departamentos, constituem uma das trincheiras mais
importantes na defesa do direito de amamentar no Brasil.
Na nossa opinião, salvo melhor juízo, a retomada da
luta pelo aleitamento materno no Brasil se inicia com
esse fato auspicioso... A criação pela Sociedade
Brasileira de Pediatria, por volta de 1976/1977 do
Comitê Nacional de Aleitamento Materno. Um órgão de
classe, dos pediatras brasileiros, chamava para si uma
tarefa, que até aquele momento, a própria Universidade,
a Academia ainda não achava que era
importante...repito..apesar das pesquisas e dos
trabalhos, aqui e acolá, ainda não se via no Brasil,
nenhum projeto que tentasse reverter a situação, ou
seja o progressivo, continuo , alarmante e epidêmico
desmame que nas várias análises feitas (na época ainda
muito incipientes e carentes de uma metodologia mais
adequada) mostrava-se inexorável... Nesse sentido, vale
a pena registrar, que é nesse ano de 1977 e nos
seguintes, 78 e 79, que alguns projetos começam a surgir
em algumas partes do Brasil, como o Programa que se fez
na Região de Campinas, realizado pela secretaria
Municipal (Diretoria Municipal de Saúde) de Paulínia,
uma pequena cidade, onde estava instalada uma Refinaria
muito importante, por todas conhecidas. Foi nessa
localidade em que tivemos a oportunidade de treinar, pela
primeira vez, no meu caso, todos os projetos que
começávamos a idealizar e que falávamos e
apresentávamos nos vários congressos dos quais
participávamos por todo o Brasil...Foi lá que vimos a
modificação das grades curriculares dos ensinos de
alunos do pré primário, primário, secundário, com a
realização de palestras, para professores, alunos..com
os primeiros concursos de fotografia, de redação, de
desenhos, de bonecos de plastilina ou de barro, sobre o
tema amamentação....foi lá também, que lutamos pelas
primeiras implantações de creches e despertamos para a
necessidade de criação de condições para as mães que
trabalhavam , amamentar...Lembro-me até hoje, que nesse
período, no Departamento de Pediatria da Unicamp, que
dirigíamos a época, começamos a colocar em todas as
propagandas (cartas, ofícios, etc..) os dísticos a
favor da amamentação, como por exemplo..."Ajude
um pouco mais seu filho..amamente-o"....Digo
isto com detalhes, porque me recordo , inclusive das
primeiras resistências ao programa, algumas com
conteúdo ideológico político.... e outras inclusive de
alguns grupos feministas, que a princípio, achavam que
nossa luta em prol do aleitamento materno era mais um
discurso "machista" culpando as mulheres pela
doença e mortes das crianças, quando deveríamos (sic)
incriminar a ditadura que assolava o País... Lembro-me
como em algumas ocasiões, tivemos que mostrar que
independente da melhoria sanitária, da melhor nutrição
de mulheres e crianças, de melhores empregos, etc.,,,
mesmo assim era fundamental que a amamentação se
realizasse...Nem sempre tínhamos êxito e só
conseguimos realmente atravessar essa fase difícil, um
pouco mais tarde, principalmente quando mães, com
coragem , e com muita garra , se organizaram e
conseguiram ir a luta, como o Grupo de mães que se auto
denominaram "Amigas do Peito".
Essa era uma época, final da década de Setenta, que
muitas outras áreas da pediatria e especialmente da
neonatologia iriam se desenvolver e se modificar em todo
o Brasil.
Nos berçários vivíamos a época dos isolamentos, das
proibições das visitas, dos isolamentos para
prematuros, do inicio do desenvolvimento das UTIS
neonatais...ninguém falava em alojamento conjunto, em
parto natural(começávamos a despertar para a luta
contra as cesáreas)... Amamentação precoce, ninguém
imaginava, e sempre se tinha a impressão que o pediatra
se não atrapalhava, devia apenas se preocupar com a
"receptação do Recém nascido, com as
entubações, com os cateterismos umbilicais de
emergência, com os soros glicosados. Sem dúvida alguma
,começávamos a nos preocupar com as dificuldades
respiratórias, com as membranas hialinas, com as altas
tensões de oxigênio nas incubadoras, mas evidentemente,
por todo o Brasil, salvo raras exceções, as condições
físicas de atendimento eram precárias... poucos eram os
berçários com equipamentos , para a época adequados..
estávamos na pré-era dos atendimentos mais organizados
para grandes prematuros e crianças de alto risco..
Tínhamos grande preocupação com as infecções, e
obviamente existia o berçário de isolamento, e claro ,
os pais tinham que se paramentar e se cuidar, colocando
máscaras, gorros, botas, etc.. para ir ver seu filho no
berçário... aliás, uma prática lamentável nessa
época, era a "observação" dos bebês
obrigatóriamente por 12 horas no berçário e a
introdução da alimentação , só depois de ter certeza
de que não haveria uma má formação ou coisa
semelhante... e no caso dos prematuros....as vezes 24
horas! Como previníamos a hipoglicemia neonatal? Dando
mamadeiras ( "chucas") com água e glicose a 5%
ou 10%, já depois da primeira hora.....e claro, quando ,
depois disso tudo , o bebê era levado para as mães nos
quartos... ninguém estava treinado e preparado para
orientar essas mulheres sobre o aleitamento, a técnica
de pega adequada, a prevenção das
fissuras...etc...além disso,não tínhamos banco de
leite, sala de amamentação, mas tínhamos os
lactários, onde centenas de mamadeiras eram preparadas
para praticamente todos os bebês... e muitas vezes,
preocupados com o não ganho de peso adequado, já se
começava a complementação dentro do próprio
berçário ou se entregava `a mãe, um cartão em que se
dizia que se o leite não fosse suficiente ou se o bebê
chorasse ou apresentasse sinais de fome...talvez
poder-se-ia complementar com "tal" leite ,
preparado da seguinte maneira.... e lá ia a fórmula
Láctea prescrita para o bebê , e para uma mãe muitas
vezes ansiosa e muito preocupada com a "fome
"do seu bebê, principalmente se preocupados com o
peso, alguém já tivesse sugerido uma prática que
naquela época era muito comum..pesar antes e após as
mamadas para verificar se a criança estava ganhando ou
perdendo peso..vejam vocês como era quase impossível
amamentar naquelas épocas... e o pior, é que no começo
daqueles tempos, quando se descobriu a maravilha do
aleitamento materno, muita gente ainda imaginava que a
culpa era da mãe por não amamentar... Estou cada vez
mais convencido, depois destes trinta e poucos anos de
luta em defesa do direito de amamentar, que se alguém
não é ou não era culpado pela não amamentação, essa
pessoa era a mãe..Era o sistema que desmamava, que
impedia um bom inicio de lactação.Eram os profissionais
de saúde que, infelizmente conheciam muito pouco de
amamentação e que praticamente não conseguiam de forma
adequada ajudar as jovens mães a lactar... Eram tempos
difíceis de muita improvisação nos projetos.. Não
existia alojamento conjunto, inicio de amamentação
precoce, logo após o parto, luta por partos não
operatórios, não introdução de mamadeiras com água e
açúcar nos berçários. Faltavam bancos de leite
(falaremos um pouco mais detalhadamente dos mesmos. logo
adiante), salas de amamentação, pessoal treinado para
ajudar as mães nas dificuldades, e o mais importante,
inadvertidamente, o vínculo mãe/bebê era muito
dificultado, retardando-se exageradamente o contacto,
impedindo-se a entrada do casal no berçário.
Dificultando-se a ida da criança ao quarto e muitas
maternidades, não possuíam alojamento conjunto,
alegando que isso favorecia a infecção!
É nesse momento que a Sociedade Brasileira de Pediatria,
um Órgão de classe, dos pediatras brasileiros começa a
lutar e a divulgar conhecimentos sobre aleitamento
materno em todo o Brasil, chamando para si, uma atitude
que até então se esperaria das Entidades de Governo,
mas que infelizmente até então não havia acontecido.
Aos poucos, com a constante divulgação de palestras,
conferências , e com a realização de encontros, a
princípio com a participação de pediatras , que
inúmeros outros profissionais começam a se reunir aos
médicos para lutar em defesa da lactação natura.
Começam a aparecer muitos trabalhos escritos por
enfermeiros, nutricionistas, psicólogos,etc, todos
colaborando e dando importante contribuição ao
desenvolvimento destas atividades.... Até essa época,
final da década de 70, aos poucos, o governo começava a
participar, principalmente depois de uma primeira
reunião ocorrida em Brasília, por volta de 1979,
patrocinada pela OPAS e com
participação do UNICEF, em que
profissionais de toda a América Latina vieram discutir
as questões do aleitamento materno. Por essa época, o INAN
( Instituto Nacional de Nutrição) Órgão do
Ministério da Saúde, começa a se interessar pelo
assunto, convida alguns profissionais e cria o GTENIAM
(Grupo técnico Nacional de Incentivo ao
Aleitamento Materno), eu sou convidado a participar como
assessor científico desse grupo, e uma série de
profissionais , como nutricionistas, psicólogos,
obstetras, integram uma ação conjunta, que associada à
Sociedade Brasileira de Pediatria começa a chamar para
si as ações de Estimulo ao Aleitamento Materno..
Junta-se ao INAN, além da Sociedade Brasileira de
Pediatria, a FEBRASGO (Federação
Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia), a LBA
(Legião Brasileira de Assistência), além de várias
pessoas de outros ministérios, como o MEC(Ministério
da Educação e Cultura,etc..)
Esse trabalho,
pioneiro, durou alguns anos e tinha ações em vários
estados brasileiros, mas ainda não tinha o cunho
abrangente e político que passou a ter, mais tarde,
principalmente a partir de 1982, quando, definitivamente
é criado o PROGRAMA NACIONAL DE ALEITAMENTO
MATERNO, que já é bem mais conhecido e que
desenvolveu centenas de ações que, mais recentemente,
todos conhecem e louvam, inclusive com as avaliações de
incidência, a normatização, a criação das normas
sobre Alojamento Conjunto, Bancos de Leite Humano, Parto
natural, etc..
Vista neste "vôo de pássaro",a evolução do
aleitamento materno no Brasil, deve ser sentida, não
como um projeto organizado, institucional, de decisão de
governo, especificamente, mas muito mais como um
movimento amplo, que albergou todos os tipos de pessoas e
de sentimentos, principalmente, com o sentido de busca a
um direito fundamental de maternidade, numa sociedade
cada vez mais materializada e complexa, em que todos os
atos, até mesmo o de parir, dar a luz, e o de amamentar
uma criança estava se tornando cada vez mais mecanicista
e controlada... Na nossa visão, em que pese toda a
organização posterior que o movimento acabou
adquirindo, e mesmo toda a sua complexidade, que vemos
hoje, com um imenso número de trabalhos científicos
publicados sobre aleitamento materno em nosso País, de
teses de mestrado , doutorado , livre docência,
etc...seria impossível imaginar que isto teria
acontecido, se encarássemos o movimento pró aleitamento
materno em nosso País, como uma simples decisão de
saúde pública e uma seqüência de ensinamentos e/ou
normas que deveriam ser estabelecidas para lograr um
resultado final , em saúde pública. A maneira como os
projetos de estímulo ao aleitamento materno evoluiram,
com dezenas de sub produtos sociais aderidos ao movimento
, nos parece como algo muito importante que aconteceu na
pediatria e na obstetrícia brasileiras( embora esta
última não se tenha dado conta, até hoje desse
movimento). A participação da Sociedade
Organizada e de parcelas importantíssimas
delas, com pessoas de destaque( artistas, desportistas,
cientistas , políticos), o envolvimento de ONGS,
de pessoas simples do povo,
bem como de Entidades Religiosas, mostra
bem o grau de sensibilização que a discussão sobre o
aleitamento materno desencadeou na Sociedade Brasileira
dos anos 80 e dos anos 90.
O Programa Nacional de Aleitamento Materno acabou se
transformando numa luta que envolveu muitos atores, como
descrevi, mas o maior destaque começou a acontecer
quando a divulgação dos programas e dos projetos que
aqui se desencadeavam, que incluíram facetas nunca
imaginadas ou tentadas em outros países... como
treinamento de pessoal de saúde (auxiliares de
enfermagem, atendentes, enfermeiros, pediatras,
obstetras) formação de professores de todos os níveis,
inclusão de conhecimentos específicos nas grades
curriculares dos ensinos de Universidades que formavam
profissionais de saúde, mas, além disso, nas grades
curriculares de ensino primário, secundário,
terciário, e mais do que tudo isso, as conseqüências
paralelas dessas lutas....
As pesquisas sobre relactação e lactação adotiva, o
desenvolvimento dos sistemas de Banco de Leite , que ,
aos poucos foi se transformando num dos mais importantes
da América Latina, graças, principalmente ao esforço
de um Engenheiro de alimentos, que se juntou ao Grupo do
Programa Nacional do Aleitamento Materno, desde o seu
princípio, e que estabeleceu e normatizou o
funcionamento da coleta, conserva e distribuição
,criando posteriormente um amplo grupo nacional. Estou
falando do Dr. João Aprígio, do Banco de Leite do
Hospital Fernandes Figueira, da Fio Cruz.
Nos anos 80, o Programa se notabilizou
internacionalmente, principalmente com a visita de uma
das maiores autoridades mundiais em nutrição infantil e
em aleitamento materno na época, o já falecido Prof.
Derrick Jelliffe e de sua esposa, a Profa. Patrice
Jellife, que depois de percorrer o Brasil e saber o que
se estava fazendo, concederam várias entrevistas a
Imprensa, dizendo que o Programa Brasileiro de Incentivo
ao Aleitamento Materno era um dos mais importantes do
Mundo.Tudo isso, obviamente era muitas vezes contestado e
algumas pessoas, achavam , como até hoje infelizmente,
que amamentar era apenas uma questão de opção da mãe!
Mas coisas importantes também se constituíram em
notáveis sub produtos do Projeto Nacional de Incentivo
ao Aleitamento Materno, tais como, a modificação na
Constituição Brasileira de 1988, do tempo de licença
gestante, que foi aumentado de 3 para 4 meses , além da
prorrogação por mais 15 dias em caso de enfermidade da
mãe ou da criança... Essa foi uma vitória bastante
apoiada no então Grupo de Incentivo ao Aleitamento
Materno...Além disso, uma série de outras decisões
posteriores, principalmente com o apoio definitivo do
Unicef, foram sendo implantadas, tais como a criação do
Prêmio Hospital Amigo da Criança, os dez passos para
estabelecimento da lactação, e a luta pelo alojamento
conjunto, pelo parto natural, pela introdução precoce
da amamentação já na própria sala de parto entre
outros.
Hoje, olhando estes últimos 30 anos, posso me lembrar de
muitas pessoas, que participaram efetivamente desta luta.
Talvez, quando avaliamos o tempo médio de amamentação
exclusiva ao peito que em algumas capitais brasileiras
ainda é baixo, sentimos que ainda temos muito a lutar e
a ajudar, mas seguramente o que mais nos deixa felizes,
é lembrar que se não fossem estas décadas de trabalho
intenso, de tantas pessoas, seguramente não teríamos um
País como o nosso em que praticamente todos os
profissionais de saúde e a imensa maioria de mulheres
sabe das vantagens do aleitamento natural.. Talvez, nos
últimos 50 anos de história da medicina, bem poucas
vezes, uma sociedade inteira, com todos os seus segmentos
e apoiada pelos seus profissionais de saúde, lutou de
forma tão sistemática e objetiva para lograr modificar
um hábito cultural e profundamente humano que estava
desaparecendo por uma série de variáveis conjunturais,
principalmente sócio econômicas...a amamentação ao
seio.
Sinto-me profundamente
realizado porque ao lado de centenas de companheiros das
mais variadas profissões, e apoiados por pessoas do povo
e, principalmente, pelas mulheres deste nosso País,
estamos levando uma batalha complexa e fundamental para
lograrmos modificar uma tendência que muitas pessoas
julgavam ser inexorável.
"Valeu a
pena. Precisamos continuar lutando e mantendo,
constantemente informados, apoiados e ajudados, todos os
interessados nesta luta. Sabemos que, se pararmos por
poucos momentos de discutir, mostrar, publicar,
incentivar, as outras variáveis começam a se fazer
sentir. Estamos ainda em luta... ela, na minha opinião,
deve continuar ininterruptamente".

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